SBEC - Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço

terça-feira, 7 de outubro de 2014

Justiça libera a venda de livro que questiona a sexualidade de Lampião


·                     O livroLampião – O mata sete’ vai ocupar às prateleiras de livrarias de Aracaju. Após anos impedida de ir à venda, a obra publicada em 2011 pelo juiz aposentado Pedro de Morais teve a autorização para a comercialização. O pleno da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Sergipe(TJSE) entendeu no dia 30 de setembro que o cangaceiro é uma figura pública e que isso significa abrir mão de uma parcela de sua privacidade, além de citar o direito à liberdade de expressão do autor. A família da figura popular da cultura nordestina entrou com um processo porque se sentiu ofendida com a insinuação de que Lampião era homossexual e que Maria Bonita era adúltera.
“A decisão foi baseada no texto constitucional, é a ponderação entre os direitos de expressão, a liberdade artística e a privacidade. No caso, por tratar-se de um personagem público, entendeu-se que havia uma restrição ao direito à privacidade. Toda pessoa pública sofre restrições a esses direitos de intimidade e privacidade e obviamente pode ter a sua vida publicada em obra”, explica o desembargador Cezário Siqueira Neto. O relator do processo disse ainda que se a filha de Lampião, Expedita Ferreira Nunes, se sentiu ofendida ela pode requerer indenização.
O advogado da família de Lampião, Wilson Wynne de Oliva Mota, quer proibir a venda do livro e vai recorrer da decisão no Supremo Tribunal Federal (STF). “Ele diz que Lampião era gay e Maria Bonita adúltera. Afirma até que a Expedita seria filha de Maria Bonita com outro cangaceiro. O livro aborda um tema que nenhum estudioso ou pesquisador do cangaço ouviu falar. Não se trata de liberdade de expressão e nem de censura, há de se considerar que toda liberdade tem limite quando atinge o direito do outro”, diz.
Pedro de Moraes, o autor do Livro

O livro tem 300 páginas e foi escrito entre 1991 e 1997, período em que o juiz morava em Canindé do São Francisco. Segundo Pedro de Moraes, o objetivo foi desmistificar o Lampião herói, pois ele também seria um criminoso. “O Lampião herói foi criado pela esquerda intelectualizada após o Golpe Militar de 1964. Antes, ele era visto como um bandido e é sobre isso que meu livro trata. Não é uma biografia gay de Lampião, é uma biografia qualquer, além disso, eu nunca usei a expressão gay”, garante o autor.
Pedro de Moraes afirma ainda que existem várias publicações sobre a homossexualidade do cangaceiro. “Tem até uma tese na Sorbonne pontuando a acentuada feminilidade de Lampião, ela também foi publicada em várias revistas de circulação nacional. Por que somente eu? Eu o chamo de ladrão, assassino e canalha, mas apenas a parte que toca na homossexualidade é a que ofende a família. Não há nenhuma comprovação de que ele roubava dos ricos para dar aos pobres”, argumenta.
A decisão do TJSE ainda cabe recurso, mas não impede a publicação. O lançamento de ‘Lampião – o mata sete’ será na quinta-feira (9), às 18h30, na livraria Escariz da Av. Jorge Amado no bairro Jardins em Aracaju. Cerca de 100 exemplares chegaram a ser vendidos na II Bienal do Livro de Salvador, realizada em novembro de 2011.

O QUE DIZEM A FAMÍLIA E O AUTOR

De acordo com o advogado da filha de Lampião, Expedita Ferreira Nunes, e da neta, Vera Ferreira, Wilson Wynne Mota, as informações que compõem o livro são "mentirosas e sem base de estudo ou referências bibliográficas". Por isso, a família vai entrar com recurso no Supremo Tribunal Federal afim de que a biografia seja proibida novamente.
"Não existe no processo um único documento que prove que Dr. Pedro [autor do livro] fez qualquer tipo de estudo, pesquisa ou de onde foi buscar essa informação. Tudo não passa de uma mera mentira. Mesmo porque não há qualquer demérito em ele ser homossexual. A discussão é se é verdade ou mentira. E a Vera [neta] tem certeza absoluta que o fato é mentiroso", explicou o advogado em entrevista ao UOL.
A decisão de liberação para venda foi do desembargador Cezário Siqueira Neto da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Sergipe (TJ-SE). Segundo ele, a determinação garante o direito à liberdade de expressão se unindo aos recentes julgamentos do Supremo Tribunal Federal (STF) em manifesto ao combate à censura.
"Não é demais repetir que, se a recorrida, autora da ação, sentiu-se ofendida com o conteúdo do livro, pode-se valer dos meios legais cabíveis. Porém, querer impedir o direito de livre expressão do autor da obra caracterizaria patente medida de censura", explicou Siqueira Neto, que lembrou que o personagem principal do livro, Virgulino Ferreira, é uma figura pública.
Em trecho da apelação levada à Justiça pelo autor do livro Pedro de Morais, é defendido a discusão sobre a sexualidade de Lampião. "A comunidade acadêmica pode discutir se Jesus teve (ou não) uma mulher, mas não pode discutir se Lampião teve (ou não) um homem", diz o documento.
Segundo o autor, sua pesquisa começou em 1991 e foi nessa época que descobriu particularidades de Lampião - explorando aspectos até mesmo anteriores ao seu nascimento e posteriores à sua morte. Em 2010, o juiz aposentado escreveu seu livro e o publicou em 2011 – vendendo mil cópias na Bienal de Salvador.
"A família nunca leu o livro e está desinformada. Tenho 68 referências bibliográficas, tenho indicações de todas as fontes. O escritor Frederico Pernambucano de Mello falou sobre o lado acentuadamente feminino de Lampião. A revista Superinteressante mostrou que há uma tese em desenvolvimento sobre a homossexualidade", disse ele.

Privacidade de Lampião

Pedro de Morais conta ainda que Maria Bonita tinha relacionamentos amorosos com outros homens do cangaço e o fato foi relatado pelo professor Estácio de Lima, médico legista, em 1947 – nove anos após a morte de Lampião.
A ideia é rebatida pelo advogado da família. De acordo com Wilson, filha e neta do cangaceiro querem privacidade já que tais "hipóteses mentirosas" não têm a ver com a história e nem com o interesse social deixado por Lampião.
"Vamos entrar com recurso ao Supremo Tribunal Federal motivados por outras decisões parecidas. Como o caso do jogador Garrincha, a biografia falava que ele não tinha um bom desempenho sexual por beber muito e sua filha resolveu entrar com um processo já que não era de interesse público. No caso de Roberto Carlos, é até mais simples porque o cantor reclama que não quer a biografia e ainda assim conseguiu proibir", avaliou ele, que aprova, por exemplo, uma biografia que fale sobre "Lampião ser um verdadeiro bandido".
Por outro lado, o autor condena a atitude da família e diz ainda que Expedita não é filha legítima do cangaceiro. "A família não conseguiu fazer nenhuma prova de que é filha dele. A certidão de casamento dela atualizada em novembro de 2011 pela morte do marido não consta o nome do pai dela. Ela nunca perseguiu a ação de reconhecimento de paternidade", disse Pedro, que conta ainda que não tem uma editora que o apoie na publicação do livro. Por isso, não sabe quando a obra estará à venda nas lojas.

LEIA TRECHOS DO LIVRO

Tudo muito bem arrumado, em 20 de fevereiro de 1931, Maria Deia arrumou seus trapos numa trouxa e deixando para trás tudo o que até então havia feito, indo viver no bando como se mulher fosse de Lampião. (...) O engenhoso Luís Pedro começou a se livrar então da grosseira e imunda relação homossexual escassamente mantida, tendo por lucros na empreita, luxuriosos amores, mantendo seus encontros consentidos pelo galhudo capone, acobertados pela velha e famosa alcoviteira Delfina , proprietária da Fazenda Pedra d?Água, em Canindé, sogra de Rosalvo, conhecido coiteiro, compadre de Zé Sereno. Esses alcoviteiros se beneficiavam sobremodo com as gordas propinas pagas pelos encontros aos proveitos dos adúlteros. Delfina servia como alcoviteira em maquinação com seu filho, o fiel coiteiro Leônidas. Se Delfina nunca temeu retaliação por parte do Touro Chifrudo, nome inspirado nas letras dos gibis, folheados pelos vadios nas poucas tardes de descanso, empregado com deboche dirigido ao trato do chefe, à distância de seus ouvidos, a bem dizer. Delfina sabia do consentimento de Lampião aos licenciosos encontros amorosos de Luís Pedro com Sinhá Deia. Todos sabiam o que os dois viviam fazendo. O inesquecível Felino Bomfim Feitosa, escrivão e tabelião do então Distrito Judiciário de Porto da Folha, depois na Comarca de Canindé, muito bem conhecia e sabia contar sobre tudo isso: a cornura e a alcovitice. E mais, muito mais. Nada vergonhoso afinal. O papel de D. Deia era o de servir como companheira de cangaço, nunca o de ser mulher do chefe dos criminosos, por não ter ele como incluir a alcova mateira, para as impossíveis conjugações carnais.Pedro de Moraes, cita a relação homossexual entre Lampião e seu companheiro Luís Pedro, que foi morar com o cangaceiro na Fazenda Ouro Preto, no município de Tocantinópolis, no Estado de Goiás.

Lampião foi marcado pelos infernos para não ser perdido de vista. Em fevereiro de 1922, ao tentar assaltar a Fazenda Tabuleiro, de Neco Alves, o grupo no qual se encontrava travou severa luta armada com a tropa do Tenente Galdino. Num momento qualquer, ao correr se esquivando das balas contra ele dirigidas, deixou cair ao chão o seu chapéu todo enfeitado com espelhos, moedas e fitas de tafetá, pentagramas, símbolos de Salomão e dos poderosos. Uma graça de chapéu e enfeites... Ao voltar-se, tentando pegá-lo, sem retaguarda escudeira, sem adargas, foi atingido por três projéteis um dos quais, na cabeça; outro no braço direito, sem maiores gravidades aos dois; o terceiro, porém, atingiu-o em cheio, esfrangalhando a bolsa escrotal, esbagaçando e mutilando os símbolos do machismo, emprestados pela genética na organização antropológica. Ferido, sucumbindo ao chão da estrada, se arrastando sobre um rastro de sangue, deixando restos da massa testicular, dizimando os últimos vestígios da masculinidade, a marca de macho, danificando a máquina da virilidade.Pedro de Moraes.

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